“Have you begging please”

Hoje participei de um curso de psiquiatria, o III Curso de Psiquiatria Para Não Psiquiatras, no Hospital das Clínicas. A programação era extensa, das 9h às 18h, mas só consegui ficar até o final da primeira palestra. E adivinhem o assunto. Sim, suicídio.

Coincidentemente, ou não, a palestrante era a Dra. Alexandrina Meleiro, médica psiquiatra que também fez parte da série da Record que participei sobre o suicídio.

Depois de umas escorridas de lágrimas durante a palestra, abriram para perguntas e eu fui a primeira a perguntar. Vou deixar para falar especificamente sobre a palestra numa outra publicação, nessa queria focar em uma pergunta que foi feita a ela que me desestabilizou.

Uma mulher, com uma vez trêmula – assim como a minha quando falei – contou que sua filha, de 23 anos, tem falado constantemente que quer se matar. A mãe, já sem saber o que fazer, disse que já procurou diversas ajudas tanto para ela quanto para a filha, mas que a filha não quer ser tratada. Como resposta, a primeira coisa que a Dra. Alexandrina disse foi “você já está fazendo o que deve fazer. Procurar ajuda para ela e para você. Não se sinta incapaz, você está agindo da forma correta. Cuidado para não adoecer junto”. Aquilo me deixou no chão (é, estou dando uma choradinha agora de novo). A minha vontade naquele momento era de sair correndo e abraçar a mulher, mas eu, se quer, consegui ver quem era que estava falando (o auditório era imenso e com um mar de gente). Quando fui embora só pensava nisso, “por que não fui falar com aquela mulher? Eu quero tentar ajudar de alguma forma. Tenho a idade dessa menina, já passei por isso”.

A questão dessa mulher me fez pensar em alguns pontos.

  • Para cada pessoa que se mata, pelo menos, repito, PELO MENOS 5 pessoas próximas são abaladas emocionalmente de forma extrema.
  • Pensando friamente, pelo menos a menina está falando. Está falando que está passando por problemas. Está falando que não está bem. Está levantando a bandeira do desespero.
  • Como a família e pessoas próximas lidam com esse tipo de ato de desespero – seja ele a tentativa de fato ou levantar a mão, como é o caso.
  • Aquele clássico “mas ela tem tudo do bom e do melhor, por que quer se matar?“.

Imagina se essa menina realmente tenta ou até chega a se matar. Como não vai ficar a cabeça dessa mãe? Ela vai se martelar para o resto da vida, se culpar por não ter sido capaz de ajudar a própria filha. E não adianta, não vai ter nada nesse mundo que vá convencê-la de que ela fez tudo o que poderia pela filha, e mais um pouco. E o pai, será que vai sentir culpa? Será que vai culpar a mãe? É ridículo, mas isso acontece MUITO. O pai, que é super ausente na vida da filha, culpa a mãe por qualquer coisa que acontecer com a filha, que é filha DOS DOIS. A culpa na mãe é também jogada pela grande maioria das pessoas próximas à família, como se só a mãe fosse da família, como se só a mãe pudesse fazer algo – tanto para o bem como para o mal. Dai que entra o comentário e aviso muito importante que a Dra. Alexandrina fez a essa mãe: “Cuidado para não adoecer também”. Comentário esse que pôde ser “comprovado” pela história ali contada por um rapaz que cursa o oitavo semestre de Psicologia da UNICAMP. Ele contou que está fazendo seu TCC sobre suicídio dentro das universidades e o que lhe incentivou a estudar mais sobre foi a morte de uma colega de classe. Ele contou que a garota se matou exatamente no mesmo dia em que o pai se matou. Que anteriormente a isso, a garota não apresenta quaisquer sinais de depressão ou de algum outro transtorno mental. Ao meu ver, e de todos ali, não foi uma “coincidência de fatores”, mas sim não ser capaz de aguentar o baque do suicídio do pai.

Com isso, é de se esperar que a mãe dessa menina pudesse vir a fazer a mesmo e, ainda, virar o tal do “efeito cascata”. Mas, nesse caso, não vejo como no caso do chamado “Efeito Werther1”, e sim uma sequência de suicídios e distúrbios mentais como uma consequência de um sentimento de culpa e de impotência causado pela morte intencional de alguém próximo – mais que isso, de sua filha.

As pessoas próximas a pessoas com distúrbios mentais e afins são altamente impactadas por essas pessoas. Então é uma dupla missão bem difícil, sendo a primeira tentar ajudar a pessoa próxima e, a segunda, se ajudar, se segurar para não adoecer também.

O segundo ponto é quanto a menina de 23 anos falar para a mãe o que está passando pela sua cabeça. Grande parte das pessoas que querem tirar a própria vida vivem um dilema entre querer e não querer viver. Sim, é verdade, não é loucura minha. É um pouco ambíguo, mas boa parte das que falam que querem morrer, tem uma parte interna falando o contrário, falando que quer viver. O difícil é fazer essa segunda parte falar mais alto.

Os jovens são grandes incógnitas para os mais velhos. É uma mudança de comportamento gigantesca e, a cada dia, é uma atitude diferente, uma forma de se expressar e de agir diferente. Para os mais velhos, fica muito difícil identificar os transtornos mentais, saber como agir, diagnosticar as novas atitudes. Nisso essa menina de 23 anos tem ajudado, ela está falando. Mas, depois de tantos sentimentos novos e misturados dentro dela, ela não consegue mais identificar nem expressar o que, de fato, tem feito mal. Com isso, ela parte para o desespero e começa a achar que a vida dela, como um todo, está ruim, que não tem mais solução. TEM SOLUÇÃO, mas antes é preciso saber o problema, ou os problemas, separá-los e tratá-los. Mas sei – e muito bem – que parece impossível para quem está passando por isso. Então qual parece ser a saída mais óbvia? Acabar com tudo. Acabar com a vida. Como se isso fosse tratar algum problema. Ela não vai voltar e ter todos os seus problemas resolvidos. Ela não vai voltar.

Por fim, a clássica bizarrice “Mas ela tem tudo, por que quer se matar?”. Primeiro, o que é ter tudo? “Tudo” para mim com certeza não o mesmo “tudo” para você. O “tudo” para ela também não é o mesmo que é para mim, que não é o mesmo que é para você. Será que é tão difícil as pessoas se tocarem disso? Esses julgamentos e preconceitos são as piores coisas que uma pessoa que está passando por essa situação pode escutar. Só fale isso se você quiser – loucamente – o mal de alguém, se não, por favor, fique quieto. Prefiro nem entrar no mérito do que é ter tudo, do que é ter ou não problemas porque a pergunta principal já deve ser excluída da mente de todos, então não faz sentido tentar responde-la.

Numa próxima oportunidade, quando estiver mais estabilizada emocionalmente, conto mais sobre a palestra. Foi muito boa, com dados interessantíssimos e merece uma atenção especial.

Menina de 23 anos, por favor, fique bem. Esses momentos ruins passam, existem milhares de outras possibilidades e saídas para o que você tem passado. Acabar com a sua vida não é uma delas.

PS: foi um tanto quanto impactante ir ao Hospital das Clínicas hoje. Depois do meu “acidente”, fui levada para lá. Lá fiquei por volta de uma semana, até ser transferida para um hospital particular. Fiquei todos os dias a base de morfina e amarrada na cama, com diversos ossos quebrados. Os médicos não queriam autorizar a minha transferência por conta do meu estado grave. Aliás, foi lá que afirmaram que eu não teria mais que 7 dias de vida. Bom, parece que estavam errados.

1 Efeito Werther: refere-se a um pico emulações de suicídios depois de um suicídio amplamente divulgado. O nome se deve ao romance Os Sofrimentos do Jovem Werther do alemão Johann Wolfgang von Goethe.

Música do título: Tears In Heaven – Eric Clapton

Eric Clapton compôs essa música em homenagem ao seu filho Conor, que morreu após cair de uma janela.

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2 comentários sobre ““Have you begging please”

  1. Clelia disse:

    É quando “somos humanos” o sofrimento do outro nos afeta. Você esta ajudando muitas garotas de 10, 20 anos… Não se sinta impotente, pois não é. Outra coisa a fala é a melhor foRma de liberar sentimentos que aprisionam, mas é importante ter algum que ouve sem criticas. E ASSIM CONSIGA acolher o sofrimento, a mãe da garota parece estar fazendo tudo que pode para ajudá-la. E se na palestra tinham outros “seres humanos” , com certeza ela foi acolhida por algum. um beijo grande. E parabéns mais uma vez pela sua iniciativa.

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